Introdução
Mãe Celina de Xangô foi uma das pessoas responsáveis pelo reconhecimento1 dos objetos religiosos encontrados nas escavações do Cais do Valongo, porto exclusivo para o desembarque e comércio de escravizados trazidos de África ao Brasil. O Cais está localizado na região central e portuária da cidade do Rio de Janeiro, onde se situa a “Pequena África”. O Cais do Valongo foi designado em 2017 um sítio arqueológico, após seu “descobrimento” em 2011, somando, junto do Cemitério dos Pretos Novos descoberto em 1996, ao circuito da herança africana, que reconhece as narrativas do povo preto na história da escravidão no Brasil. Fazem parte também do circuito a Pedra do Sal, o Centro Cultural Pequena África, o Museu da História e da Cultura Afro-brasileira (MUHCAB), entre outros, todos encorpando e instituindo a resistência dos povos pretos e de matriz africana do Rio de Janeiro – e no Brasil. A Pequena África2 , e todas as instituições culturais que ali existem, rebatem as narrativas históricas nacionais (e/ou oficiais) que tentaram inúmeras vezes escamotear a violência contra o povo escravizado de África e, inclusive, esconder, literalmente, o genocídio.
Em 2011, a reforma da região portuária no contexto dos mega eventos (Olimpíadas e Copa do Mundo) revelou os paralelepípedos e as pedras do Cais, até então encobertos pelas avenidas modernas, transformando aquela obra urbana em uma escavação arqueológica. A descoberta da localização exata do Cemitério dos Pretos Novos, onde hoje se situa o Instituto Pretos Novos, aconteceu em 1996, quando os proprietários fizeram uma reforma em seu casario antigo – que incluía escavar o quintal – e encontraram um sem número de ossadas, que acreditavam ser de animais. O Cemitério foi criado durante 60 anos (entre 1769 – 1830) e estima-se que 25.000 corpos foram ali soterrados. Nenhuma das duas escavações foi inicialmente feita com intuito de buscar revelar as histórias soterradas há pelo menos dois séculos, porém a força com que se enunciaram essas revelações – sempre conhecidas e reclamadas pelo povo preto carioca e por pesquisadores – se somaram na reconstrução de narrativas que buscam afastar as camadas e camadas de tempo e silenciamento colonial e o racismo que se instalou na sociedade brasileira. Elas compõem a construção das memórias da diáspora, valorizando os saberes, as práticas e a vida de um povo que sobreviveu à violência do Brasil-Colônia – e segue sobrevivendo.
Na preparação para o presente número da revista Desbordes um dos textos que consultamos coletivamente, por indicação de Fernanda Carvajal, foi “Heterografías de la violencia”, de Sergio Villalobos-Ruminott (2016) no qual o autor desenvolve em um dos capítulos sobre a “interrogação ‘hamletiana’ do crânio para que ela nos dê o segredo da violência, das suas continuidades e descontinuidades”, de forma que se possa perceber o “segredo do cadáver no momento do desaparecimento”, examinando-o a partir do fato de que é um “resto” e não a totalidade de um processo. Neste sentido, aquilo que se tentou esconder ou literalmente descartar, regressa como vestígio, revelando “processos de sedimentação e a dinâmica do solo que caracterizam a história do poder”. Nos interpelou que o descarte dos corpos foi uma tentativa de apagar as vidas escravizadas, apagar a existência de uma prática de acumulação primitiva, ao que Villalobos-Ruminott propõe pensar: “informado pela mesma relação entre soberania e acumulação, o cadáver parece conter o segredo da mercadoria, deixando evidente que a condição brutal da chamada acumulação primitiva não está em um passado remoto e já superado” (p. 202). Diversas alianças insurgem entre tempos históricos, espiritualidade, ancestralidade, que seguem resistindo contra uma “economia da violência” que é replicada, como diz Villalobos-Ruminott em processos contemporâneos de acumulação. Podemos compreender aquele ocultamento como descarte?, como tentativa constante de surrupiar e eliminar um povo, também impedido de realizar seus rituais hoje? Que relações entre lutas situadas e do povo preto, territorialidade e ancestralidade insurgem?
Apresentamos aqui uma conversa realizada com Mãe Celina de Xangô –Celina Rodrigues, diretora do Centro Cultural Pequena África. Mãe Celina, através de sua prática, resgata e difunde a história, a espiritualidade e a cultura afro-brasileiras. Mãe Celina foi uma das pessoas responsáveis por reconhecer objetos de cunho religioso encontrados no momento da escavação do Cais, quando arqueólogos da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) realizaram o trabalho que levou o Cais à Patrimônio da Humanidade da UNESCO. Convidei para a conversa Jorge Vasconcellos, filósofo e professor da Universidade Federal Flumimense (Departamento de Artes e Estudos Culturais/RAE e no Programa de Pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes/PPGCA-IACS-UFF), homem hetero-cis que se identifica como negro-indígena e que vem há décadas fomentando a criação de práticas estético-políticas e táticas de guerrilha em diversos coletivos e redes.
“Talvez, a imagem da disposição dos ossos uns sobre os outros – ou ainda, nesse caso, humanos sobre humanos, dada a fácil assimilação dos fragmentos ósseos à figura humana – traduza com espantosa fidelidade o contexto histórico e funerário do Cemitério dos Pretos Novos: um local de descarte de corpos enterrados à flor da terra. Nesse sentido, a disposição dos ossos parece simbolizar não somente o mero descarte de corpos, mas a desumanidade com que os cativos africanos eram tratados antes e após a morte.” (Andrei de Souza Santos, O Cemitério dos Pretos Novos e suas representações simbólicas no tocante à preservação da memória afro-brasileira, 2017, p. 31)
“Devido ao racismo e à ausência da história afro-brasileira por muitos anos, essa região tão rica, não apenas em história, foi inviabilizada e apagada.” (Cartilha Pequena África, Uma sala de aula a céu aberto, 2021, p. 11)
Cristina R.: Bom dia Mãe Celina, e bom dia Jorge. Obrigada por participar desta conversa com a gente. Mãe Celina, você é como um amigo meu chama, uma pessoa “mais-que-acadêmica”, uma pessoa que detém um saber que não se pode medir pelo saber acadêmico, por que a academia é construída com violência institucional e ela não dá conta de acolher as pessoas mais-que-acadêmicas. E, de certa forma, a rede de pesquisadores à qual nós editoras desta revista estamos vinculadas – a Red Conceptualismos del Sur, é formada por alianças por fora e através de instituições acadêmicas. A revista Desbordes é editada por um coletivo de mulheres e pessoas não binárias, uma equipe que pensa desde a América Latina, e que a cada edição se dedica a trabalhar um tema.
Jorge: Bom dia Mãe Celina, lembro de quando nos encontramos em 2018, na época estava com Rafa Éis, jovem artista e curador, amigo que ocupou o Centro Cultural Pequena África dirigida pela Senhora. Muita coisa mudou, passamos por um fascista do poder.
Mãe Celina: Eu não penso nisso aí não, se eu pensar nisso eu morro. Eu já passei por tantos governos, vários governos e eles não me dão nada, tem que ser eu por mim mesma, e meus Orixás me guiando. Eu sou uma mulher de Orixá, desde que nasci, desde o berço da minha Mãe. Os fascistas existem entre nós, entre o povo preto, entre os indígenas. Eu me tornei uma gestora andarilha, sou a única mulher preta que fala disso, que fala de Cais do Valongo em todo o mundo. E eu entendo que é o bicho homem que está atravancando tudo, enquanto o bicho homem tiver maldade, não tiver compaixão… Deixa os fascistas para lá, Jorge.
Cristina R.: Para começar talvez eu possa mencionar rapidamente a minha relação com o Rio de Janeiro – e a militância contra a violência policial na favela, e depois a participação que tive nas resistências aos efeitos dos megaeventos como Copa do Mundo e Olimpíadas muito antes deles acontecerem de fato. E bem, eu fui embora do Rio de Janeiro em 2012 para fazer doutorado fora do Brasil, e volto em 2017 ao Rio de Janeiro e encontro a cidade quase como “terra arrasada”. Na concepção deste número da revista viemos conversando sobre como o descarte faz parte da lógica da produção num sistema abundante e de acumulação de valor; e, num eixo temporal mais largo, pudemos pensar como o descarte de corpos – o genocídio ou o etnocídio – é resultado de uma da diversas formas de violência colonial – e neocolonial. Neste sentido, sítios arqueológicos e escavações se tornam lugar de evidência da violência que se tentou esconder – e evidentemente, podemos situar aí o conflito de Israel com a Palestina, por exemplo com o extermínio de um povo e a apropriação de sua terra. Lendo juntas Villalobos-Ruminott (2016) pensamos como os corpos dos escravizados e os objetos de ritual encontrados nas escavações emergem como fóssil e como reescrevem a história. E veio então o desejo de conversar com você sobre a redescoberta destes sítios de extrema importância, e por outro lado, sobre o Rio de Janeiro cidade-dos-mega-eventos, que de certa maneira intencionou em parte lucrar em cima desta história. É quase contraditório que o financiamento venha para desenvolver a pesquisa na cidade tenha vindo neste momento, mas evidentemente era de suma urgência que estas evidências e territorialidades viessem à tona.
Mãe Celina: Uma coisa é falar daquela escravidão, outra coisa é falar da de hoje né.3 A carnificina continua. A mortandade do povo preto continua. A gente tem bairros na Zona Oeste (do Rio de Janeiro) que quando você liga o noticiário é 10, 12 pessoas, não importa que seja miliciano, que seja bandido, é carne preta indo para a vala. Se for falar na perspectiva de 200 ou 300 anos atrás, nada mudou. Não existe uma maneira especial de rever tudo isso. A gente sabe, a gente que é periférico, a gente vem do lugar mais frágil, mais fragilizado, aqui há alguns séculos atrás era na Região Portuária, mas era também no Rio de Janeiro todo. A região portuária ficou marcada por conta da Pequena África. Mas quantas outras Pequenas Áfricas que tem na cidade, que tem no estado, que tem pelo Brasil. Então a gente tem que pensar nisso também, o que passou, passou. E o agora? O que que é feito agora? O hoje? Qual a mobilização que se faz para isso? E eu falo gente preta por que você liga o noticiário e o que mais você vê é povo preto sendo exterminado. E isso diariamente. Eu moro na região portuária, e da minha janela eu vejo de tudo um pouco. Então não existem políticas públicas para ver isso, fica tudo muito complicado. Eu não posso falar do que passou, porque eu não vivi lá (no passado da escravidão), mas eu falo do hoje. Nada está mudando. Existe uma continuidade, e de forma abrupta, a olhos vistos, do que foi acontecido na época da escravidão, a população não via, era tudo muito silencioso. Hoje a gente vê um extermínio mesmo. Como se quisessem exterminar todo o povo preto da face da terra. Então, espiritualmente falando, é degradante. A coisa está piorando.
Os colonizadores vão sempre existir, o povo de grana vai sempre existir, o poder vai sempre existir, e a maioria que somos nós, que somos maioria mesmo, querendo ou não, acreditando ou não, somos muito mais que 52% da população preta do Brasil inteiro. Eu sou andarilha, eu sei do povo preto, quando me chamam, eu tô lá. Então eu sei, depois da Nigéria nós somos o 2o país mais negro do Mundo. Então, como é que vai exterminar todo mundo, gente? A esperança vai voltar? Por que o extermínio está aí, só falta colocar todo mundo num buraco só como fizeram nos séculos passados (a vala comum). Este tempo todo como gestora de cultura da região portuária, como uma mulher que vive para lá e para cá, você não vê perspectiva de mudança, eu não vejo perspectiva de mudança. Existe uma grande maquiagem, uma roupagem, mas a coisa não é bem assim, não tá bem assim, e não vai ficar bem assim. Enquanto não existir uma boa vontade, … de governantes eu acho que nem espero muito isso não. Mas de nós mesmos, do povo preto sim. Nós temos que nos mobilizar nesse sentido, porque nós podemos, nós podemos. Nós temos força, criamos força, eu acredito muito nisso. Já está na hora de botar a era Dr. King para fora, botar a era Malcolm X para fora. Só não pode ficar nesse grande descaso humano da nossa raça, porque olha, tá difícil. Se não for de um jeito, tem que ser de outro. A gente só não pode ficar nesse grande descaso da nossa raça.
Porque tá tão difícil… É complicado uma mulher preta ter que estar falando sobre isso quase todo dia. Acabei de dar uma entrevista para o pessoal de cinema, sobre o filme Praia Formosa4, dirigido por Julia de Simone. Quando eu me vi na tela, eu falando da riqueza que o Orixá me deu, que África me deu, e hoje poucas Yalorixás, me perdoa estar falando isso Jorge, pensei como há poucas Yalorixás que usam dessas ferramentas. As ferramentas que eu tenho hoje estão me levando para tudo que é lugar, até para conhecer o desconhecido, para conhecer os grandes colonizadores – só não fui em Portugal. Os grandes colonizadores deixaram esse país, esse flagelo, quando eu falo que a minha força vem da minha ancestralidade, que eu me reforço com meu sistema, é neste sentido, é o que me resta hoje. E eles falam “colonização”, “descolonização”, eu acho uma confusão tão grande, você já não sabe mais nem quem é quem nesta história, por que é uma bagunça generalizada, né? Eu posso dizer que a raiz ancestral africana que eu carrego hoje no meu corpo, no meu Ori, é o que me fortalece, é o que me faz abrir meus olhos, senão eu seria mais uma dentro de casa espraguejando até minha última geração por não ter força para lutar. Se a gente cruzar os braços piora.
A minha avó dizia assim: «- O dia que nego se unir e houver uma guerra de negros, muita coisa vai mudar». E não adianta cada um ficar olhando para seu umbigo. Hoje eu tenho um terreiro em São Gonçalo, eu lidero um terreiro, e tudo o que eu estou falando para vocês aqui eu passo para os meus filhos de santo, preto, branco, para quem tem axé. Eu tenho que externar o pensamento, para não acharem que eu sou mais uma pretinha (que fica jogando conversa fora), eu tenho inventar de trabalhar para poder sobreviver aqui no meu país, por que meu país não me respalda. Não é triste isso? Eu tenho que ir lá para fora, trabalhar, agora vou para quatro países (México, Áustria, Alemanha, França) vou ficar cinco meses fora daqui, trabalhando lá para pagar minhas contas aqui, eu posso até achar que eles são filhas da puta, mas tão me dando dinheiro, caramba.
Eu fico muito triste, nós temos uma potência tão maravilhosa, em tudo, na terra, nas plantas, na água que a gente bebe. A gente bebe uma água de qualidade, a água da Europa não é boa, você morou na Europa você sabe, você lava teu cabelo e o calcário acaba com você… Em Vienna eu descobri uma cachoeira! Quanta coisa que a gente tem. Eu via minha avó jogar broto de cebola, broto de tomate, e quando via tava lá na cerca o tomatinho nascendo. E o povo preto sabe disso, mas se não tem quem apoie, quem vai apoiar…? A plantaçãozinha de quintal? Eu fui criada assim, de terreiro, você plantar para você comer. Eu cresci numa casa que não tinha geladeira nem fogão a gás, era fogão de lenha, e água no gelo pedia na casa do vizinho. Então você vai crescendo como, “- Ó, quero melhorar de vida”, não quero viver mais aquilo ali. Isso aí é assunto para a gente ficar até 2090 falando, né? Que numa hora não dá.
Então, assim, é o meu olhar diante desse estrago, que já não era lá grandes coisas, mas se tornou pior por causa dessas coisas que vem atravessando politicamente. Mas não é nem pela porcaria do dinheiro, é pela ambição, pelo poder.
Cristina R.: Mas você sabe uma coisa que eu queria conversar com você é que você fala do hoje, e é totalmente importante a gente falar do hoje, do que segue acontecendo, né? A chacina não desapareceu do Rio de Janeiro. Na semana passada, há 15 dias atrás. Aí você pensa: “- É anos 90?” Não, é 2024, sério.
Mãe Celina: Onde já viu uma história dessa, né? Cada noticiário que a gente vê.
Cristina R.: Jorge, você quer falar? Depois eu comento que eu queria comentar.
Jorge: Antes de tudo, bom dia, muito obrigado Cristina, pelo convite de oportunidade de reencontrar Celina, Mãe Celina de Xangô. Acho que eu e Mãe Celina nunca conversamos muito sobre pessoalidades. E ela, creio, não sabe que eu sou um homem negro-indígena, neto de Xavante aldeado, a gente falou sobre isso uma vez. E eu sou de São Gonçalo (região Oeste do Rio de Janeiro). Vou fazer 60 anos esse ano, então para mim está sendo um momento muito importante de reavaliação, revalidação e reorganização da minha vida.
Mãe Celina: Eu também sou de São Gonçalo, conterrâneos do barro vermelho.
Jorge: Lembro que certa vez, estava dando uma entrevista para uma determinada pessoas, que agora não vem ao caso, evidentemente branca e burguesa (provavelmente racista) que me disse “- Você fala muito de você”. Bem, sabem por que as pessoas acham insuportável quando nós falamos de nós mesmos, eu, como você, Celina, uma pessoa preta da periferia, que nasci numa favela? Sou órfão de mãe, não de pai. É, justamente, porque é insuportável a nossa trajetória. Principalmente quando essa é uma trajetória que conseguiu inúmeros êxitos frente a, por exemplo, aqueles que estão ao nosso redor. Todos os meus irmãos são por parte de pai, minha mãe morreu eu tinha dois anos de idade. Um dos meus irmãos foi levado por essas relações difíceis de nascer e vivier em regiões periféricas dominadas, muitras vezes pelo tráfico, acabou sendo penalizado, foi morto pela polícia militar, e o filho dele que é meu afilhado, paga a pena, no presídio de Bangu 3 (presídio no Rio de Janeiro). Então na verdade, apesar de ser um Professor Doutor, possuir alguns títulos e láureas acadêmicas, essa minha trajetória é completamente marcada exatamente por eu ser um homem que viveu essa vida do povo preto, indígena. Daí a insuportabilidade do que falamos, principalmente quando esta fala parte da explicitação de nossa trajetória. Porém, falar de mim, não é falar sobre mim, é falar sobre NÓS, é falar de todo o povo que está comigo, tantos os negros quantos os indígenas, é falar do/com o Povo Preto.
E, quando você se refere ao Malcom-X, lembro da brincadeira que sempre faço com meus amigos brancos pacifistas, dizendo que eu não sou “filho de Gandhi”, sou, na verdade, “irmão de Malcom-X”. Então eu não sou um pacifista, sou totalmente antipacifista, porque não é possível pacificar uma guerra na qual somos frágeis e vulneráveis e que muitas vezes nem sabemos que estamos tomados por ela, porque não é possível pacificar o impacificável, é impossível pagar o impagável, isto é, o que fizeram e o que fazem conosco. Atiram contra nossos corpos a todo o momento. É interessante quando a Mãe Celina evoca o presente, porque esse é um grande presente, que é um presente estendido para um passado que está aqui conosco e para um futuro que está o tempo todo aqui conosco também, ou seja, em forma de máquinas mortíferas e de morte sobre nós.
É isso mesmo, a marca de nosso tempo necropolítico, como meu irmão que foi morto, como meu sobrinho que foi encarcerado… somos mortos ou encarcerados. Não é verdade? O processo de escravização advindo do tráfico Atlântico, ele ganha outro nome e outras formas de estar no mundo, outras formas de nos matar e de nos encarcerar. É muito interessante os modos pelos quais nós criamos táticas e estratégias, estratégias de médio e longo prazo que nos organizamos e táticas de sobrevivência a todo momento.
Então, mostrar nossa trajetória, enunciar de onde viemos, como estamos aqui e para onde pretendemos ir, é uma tática de guerrilha, em relação à branquitude, ao capitalismo, ao aparelho público, às formas de descartar, de tentar um enfrentamento a um certo poder público, como o seu trabalho extraordinário que você fazia à frente do Pequena África. Eu queria que você falasse um pouco sobre a tua experiência naquele espaço, não só como uma pessoa importantíssima na religião de matriz africana no Rio de Janeiro e no Brasil, mas também como gestora cultural pública, porque não é muito comum a pessoa que fez o seu trabalho sagrado de acolhimento do povo preto, com a prática religiosa e, ao mesmo tempo, ter esse tipo de lida com o poder instituído e com a política pública. Você fazia duas coisas, o que não é muito comum que as pessoas o façam, e agora você é uma conferencista internacional, exatamente porque é uma fala “da gente”, a todas, todos e todes.
Mãe Celina: Ah, é uma honra estar falando contigo. Sou fã mesmo, apesar da gente quase não se vê mas a gente sabe um do outro, e isto é bem bacana também. Ter um homem preto chegar a um pós doc é uma luta né. E assim, tudo vai do jeito que você conduz. Nunca foi pretensão ser quem eu sou hoje, virei conferencista virei ativista, gente é tanto título que parece que fiquei até louca. Mas tem uma coisa importante, a gente tem que falar “pra gente”. Isso que falou falar da gente é uma maneira de dizer pra todos os pretinhos que estão na nossa volta que ele pode também, que ele pode chegar a ser um pós doc como você, pode chegar ser essa mulher aqui, “bocuda” mesmo que chega lá e fala mesmo. E eu digo mesmo o que eu penso. Quando eu cheguei no Centro Cultural Pequena África como gestora, me deram aquele casarão pra trabalhar, me deram respaldos para eu conseguir trabalhar. E “eles” estão vendo também, e quando eu falo “eles” eu falo aquela branquitude escrota que a gente tem no entorno, e que pensa “- Se der uma casa pra ela, e se dermos dinheiro ainda, aquela mulher vai virar insuportável”. No México, por exemplo, vou para a Universidade de Guadalajara para falar da perspectiva de Abya Yala, falar desses seres que nós somos, da importância que nós somos, de povos indígenas, de nós como o preto, nós povos sobreviventes dessa sociedade louca que a gente vive. Então, eu fico muito orgulhosa com o Cais do Valongo tem me dado a “régua e o compasso”, como diz Gilberto Gil, e eu ter esse olhar para isso. A princípio [o convite a assumir o Centro Cultural] assustou, Jorge, não é mentira. Eu olhei prum lado, e olhei para o outro, olhei para trás, “não tem mais ninguém”, então sou eu mesmo. E até hoje há pessoas que não me olham. Eu não sou porta voz de nada, eu digo o que eu penso. Se eu tenho vinte Celinas comigo, caraca! É um trabalho mesmo, de ir lá e dizer a que viemos, o que nós podemos, é isso! Difícil é, como você disse, Jorge, por que a gente escuta “- E aí, o moleque, ou vai pra cadeia ou vai pra vala”, que é o lema que a polícia militar fala. Eu ouvi, ninguém me contou, entendeu?
Então a gente quer lutar por aquilo que todo mundo quer, que é uma coisa chamada dignidade. Você ser digna de um arroz com feijão, você ser digna de uma roupa pra vestir, digno de ter lugar pra morar sabe, você ser digna de boa educação. E se o espaço tá ali por que eu não vou entrar nele? Eu não sou melhor do que ninguém, mas eu sei que eu sou diferente. Só que eu não estou aqui pra ficar preocupada com isso, eu estou aqui pra fazer o meu melhor o meu melhor. Então precisou a minha ancestralidade “se meter nesse circuito” [em 2012-16], mas em 2020 eu entreguei. E pensei, “agora eu vou me tornar uma gestora andarilha, intinerante”.
E eu estou em tudo quanto é lugar, eu tô nas artes plásticas (no catálogo do IMS5), e isso é através da minha ancestralidade. E isto incomoda sempre, por que? “Porque não é de bom tom ter pretinho no poder”, “ter pretinho bem sucedido”, ter uma mulher macumbera dentro desses espaços brancos e fazem questão que essa mulher preta esteja lá! Então, o que que a gente vai fazer? Se você é bem sucedido, “tá ruim”, se você está ferrado “tá ruim”, pra que lado a gente vai? A gente vai ficar no meio da jangada! A gente tem que ficar igual jangadeira, ir no meio da jangada, porque se for para uma ponta cai, for para a outra ponta, cai. Esta luta vai ficando cansativa porque tem pessoas que te olham com bons olhos, tem aquele que te olham “não é mais do que obrigação você estar nesse lugar”. Você então, como é doutor, está mais ferrado que eu. Você tem que ser o melhor do melhor, o tempo todo. Então a luta do povo preto ela não termina, você puxa daqui, puxa do ali, você vai ali, você vem cá, você estuda, você lê, você trabalha, você corre atrás de grana, a gente fica igual uma bola de ping-pong.
Jorge: Mãe Celina, eu queria voltar ao que você falou, um pouco no começo da nossa conversa. Você deu uma aula do que são os processos de subjetividade e subjetivação, que é um conceito de um filósofo chamado Michel Foucault, que tantas pessoas usaram, que é, justamente, quando você fala do quão certos modos de ser-estar no mundo habitam nossos corpos e que nós não sabemos. Você falou que o fascismo não está ancorado num partido ou num grupo, ou no bolsonarismo, mas ele muitas vezes tá espalhado como microfacismo, nos modos com os quais muitas vezes pessoas muito próximas agem conosco. Isso quer dizer, então é um modo pelo qual nós agimos no mundo e nem sabemos que estamos agindo. Por exemplo, todo homem é machista, não sou uma exceção, a gente tem que lutar contra o nosso machismo que está arraigado, estruturalmente arraigado. O machismo não é uma questão de natureza, é uma questão de grau. Minimizar o máximo esse grau produz implicações nos encontros que você tem com as mulheres, com o mundo, com o feminino, com o feminismo. Então eu queria que você falasse um pouco sobre isso, porque muitas vezes nós estamos travando uma guerra com nossos irmãos. Não guerra em um sentido aberto, mas em diversas rivalidades que muitas vezes nós encontramos muito mais resistência em pessoas que poderiam (e que desejaríamos que estivessem) estar ao nosso lado e que, infelizmente, não estão. Creio que essa questão de não aliança necessária e desejada, passa por questões que são subjetivas, que são pessoais, que são de ordem psicológica. Porque como uma pessoa que orienta um mundo, que eu sei que você orienta, eu sei que você é na verdade uma espécie de psicóloga da existência e que lida exatamente com esses medos, mágoas e ressentimentos que nos habitam. Queria que você falasse um pouco sobre isso.
Mãe Celina: E eu passo por esse processo também. O medo, a insegurança, nós somos humanos, e temos que sentir. É interessante que a pessoa que é fascista nunca vai dizer pra você que é. Eu como uma Yalorixá, como uma médium que eu sou, eu vou escaneando. A pessoa que é fascista tem que fazer de conta que não é. E esse é o grande perigo, ela é fascista mas faz de conta que não é. É igual o racista que diz que é anti-racista. Então é tudo muito camuflado, sabe, Jorge? E as pessoas conseguem viver hoje numa falsidade e numa mentira com elas mesmas, para poder infiltrar em você, para saber como você chegou onde você chegou. A preocupação do fascista não é ser fascista, ele quer saber como você chega nos lugares que você chegou. Fica cercando para saber como a Mãe Celina consegue essas viagens.
O fascista fica camuflado, te chama para tomar um café, para tomar um sorvete, ele bebe cerveja com você, aperta sua mão o tempo inteiro. E tem aquele fascista de crachá, que eu não me sento nem perto. O cara já vem dizendo quem ele é, mas mesmo assim ele quer sugar tua jugular. Porque o fascista ele está no meio político, está ali babando ovo de fulano ou cicrano. Longe de mim! Xocotô Berulô!6 E tem aquele fascista entre nós, eu lido muito com isso. Pessoas que não querem falar a verdade, ficam rondando e secando a pimenteira. Este fascista é o pior porque ele vai querer frequentar sua casa, ele vai querer saber de seu espaço, vai querer te acusar alguma coisa.
Jorge: Literalmente uma pimenteira que estava aqui em casa acabou de secar. Eu joguei fora e peguei outra.
Mãe Celina: Pode até dizer para mim o contrário, mas a gente vivencia isso. E isso faz com que você se auto-sabote, você acha que você não vai dar conta, aí você vai ficar doido de pedra dentro de casa, porque o fascista ele chega numa forma avassaladora na vida. Você não quer ver ninguém, você fica com medo até da sua própria existência. Isso é perigoso. Quando hoje eu me visto com as armas de Orixá, com as armas de Exu no meu caminho, eu sei o que eu estou falando. Porque o caminho está ali. Ninguém quer trilhar, mas todo mundo quer saber como é que você trilhou. Quando eu cheguei para trabalhar com cultura, ser diretora de cultura, era muito tapinha nas costas, hoje não admito que botem nem a mão do meu ombro. Gente que não trabalha, pensa que é varinha de condão. Não tem padrinho não! Tem os Exus ali da minha frente, tem os encantados tomando conta de mim, tem Xangô na minha cabeça para dar conta.
Tinha um momento que era pouquinho gestor (cultural), hoje em dia tem 400 pessoas na região portuária. E me colocaram no Comitê Científico Ricardo Valão, não sei nem pra que que serve isso, eu tenho mais que fazer da vida. Porque o que é que é trabalhoso ninguém quer, né? Hoje é minha casa de santo, 70% são acadêmicos. Então, eu me orgulho muito de ter filhos acadêmicos, mesmo que eu não seja, mas eu tenho filhos acadêmicos que torcem por mim, trabalham para caramba e comandam o jogo aqui comigo.
Acervo MUHCAB. Foto: Pedro Ivo.
Cristina R.: Te escutando eu fiquei com vontade de pensar um pouco sobre… por que eu estou interessada a olhar para o passado. Esta história que, na verdade, conheço muito pouco. Pensando no passado podemos entender também o funcionamento das instituições do presente. Atualmente muito do que se cria vem com a intenção de gerar uma reparação, e, dependendo da forma como se faz, e da escala, a impressão que dá é que quanto mais se tenta reparar, mais são criadas instituições de mentira. Instituições que replicam uma mesma violência, a violência de “lá”, colonial, porém atualizada. E bem, na criação de instituições de reparação, de mentira, podemos voltar para as figuras dos fascistas, uma espécie de “devoradores de passado”, “devoradores de ancestralidade”, que reconhecem a ancestralidade, mas desse lugar de quem não tem esta ancestralidade em si. São devoradores de história também, de certa forma.
Quando em 2016 (com as Olimpíadas) e 2014 (com a Copa do Mundo), os “megaeventos” trouxeram um monte de dinheiro para o Rio de Janeiro. Pessoalmente me causou estranheza escutar que foi “por causa dos” megaeventos que “se revelou” esta história, e se estruturaram a escavação e a pesquisa, fazendo com que o Cais do Valongo, por exemplo, finalmente se tornasse de interesse histórico, social e cultural – e foi preservado e exposto. Complicado tentar resolver desta forma, um acontecimento que é muito complexo. A gente não pode achar que tem um “gesto bom aí”, um gesto “limpo”, por que isso seria a ideia de uma reparação da branquitude, das instituições da branquitude, de um dinheiro que na verdade é excedente de um capitalismo liberal (e oportunista), que chega ali e faz uma reparação que é um emplastro (pequena, limitada).
Ao ver um grupo de jovens na visita do Instituto Pretos Novos, eu preciso dizer que fiquei com os olhos cheios de água, pensando em como há força neste encontro, e como a ancestralidade provoca sua própria ressurgência. O capitalismo neoliberal veio por cima, fazendo de conta que está fazendo reparação, e a gente tem que poder ainda (e sempre) criticar o capitalismo neoliberal. É um presente muito complexo, né?
Mãe Celina: Foi muito louco, eu digo assim, Pai Xangô que me de agô 7, eu penso, “de repente se eu tivesse universidade, eu não teria essa sabedoria que Xangô me dá”. Mas eu tenho essa universidade, se eu não tivesse essa universidade, eu acho que eu ia me matar. Deixa eu falar uma calma coisinha assim, que é um pensamento meu. É… Quando você fala Cais do Valongo, a gente fala da nossa existência, a gente fala da nossa raiz, a gente fala da nossa história, nossa história preta, a gente fala de senzala, a gente fala de… de toda forma de preconceito que existe contra o nosso corpo preto. Quando a gente fala de ancestralidade, e gente isso é o pensamento meu, a gente tem um compromisso. Então deixa eu falar com você assim. Existe uma coisa que eu chamo de comprometimento. Tudo o que eu sei hoje, com relação aos ancestrais, à minha espiritualidade, foi através do Cais do Valongo. Há quase 30 anos. Eu sempre tive essa preocupação quando chegou uma pessoa. Se me chamaram para uma conversa boa, eu saber o que eu vou falar pra ela, o que ela vai falar para mim, a grana é legal, é bacana. O respaldo que o Cais do Valongo traz pra mim, na minha vida, ‘Credicard’ não paga. Sabe? Então não adianta eu botar alguém pra falar assim assim,… Eu aprendi tudo através do meu griô o Rubem Confete8, da maneira dele também (com o seu griô), da maneira que ele aprendeu também, ele foi passando pra mim. Então, você estar num espaço tão importante que é o Cais do Valongo, chega ali, você não sabe o que representa, e achar que o dinheiro que vem é pra isso e para outro, … Gente, o fator espiritual, o fator ancestral, o fator de encontro mesmo com esse lugar, como é que fica? Entendeu? Então, a minha preocupação hoje é que eu vou qualquer lugar, qualquer lugar do mundo que eu chego, o meu compromisso com o Cais do Valongo é super ancestral. Muito ancestral mesmo e Pai Xangô sabe disso. Sabe? É algum lugar que abriu porta para mim. Se tem algum evento, e eu vou representar alguma coisa, eu sento ali, eu fico só agradecendo os meus ancestrais, meu povo, minha tataravó que passou por ali, minha bisa que veio bebezinha, e que passou por ali. Então, é toda uma história que passa pela minha cabeça. Eu já falo pro povo geral, se o povo não começar a respeitar esse lugar, que é de suma importância em nossas vidas, porque a gente fala de povo preto, mas vários povos passaram a atravessar o Cais do Valongo. Enquanto a gente não tiver respeito, e respeito é a palavra ter pra esse lugar, até pra gente ser respeitado fora dali, entendeu? Meu pensamento é esse.
Então, esse compromisso ancestral, espiritual, político, sim, mas nem tanto, né? E saber conduzir esse lugar, saber conduzir a história ancestral desse lugar. Isso pra mim é muito importante. Acho que é por isso que eu tô aí nos lugares inimagináveis na minha vida. Isso foi muito grata mesmo, muito grata. Muito grata ao Cais do Valongo, muito grata aos ancestrais por a gente tá fazendo esse trabalho, né? Por estar junto pro que der e vier, e ir juntos.
Jorge: Assim, eu acho muito importante que aqui fique marcado o importantíssimo papel que Mãe Celina, Mãe Celina de Xangô, praticou no momento em que ela estava fazendo a gestão do Centro Cultural Pequena África. O reconhecimento que foi feito ali [7], e a lacuna que aquele espaço deixou pelas práticas ali colocadas, e eu posso falar por mim pela maneira que eu fui bem tratado, sim, da maneira como foi tratada por Celina, no modo como ela trabalhou e trabalha de maneira coletiva, comunitária e colaborativa. Obrigado Mãe Celina de Xangô!
Jorge: Exatamente, assim, na verdade a gente, muitas vezes espera que uma Yalorixá, que uma Mãe de santo, que seja uma liderança espiritual tão grande, seja uma pessoa centralizadora e que vai dizer exatamente como pessoas e como as coisas devem proceder. Mãe Celina faz justamente o oposto. Ela é uma pessoa de grande escuta de acolhimento e generosidade e talvez até por isso muitos microfascistas como ela diz, por suas práticas, tem chegado por trás e se aproximado e tentado sabotar seu trabalho. Contudo, ella soube muito separar, né? Biblicamente falando, separar o joio do trigo, sabe? Exatamente escolher com quem fazemos alianças e com quem fazemos confluências, como diria o Antônio Bispo dos Santos, nosso Mestre Nego Bispo.
Às vezes nós somos obrigados a fazer alianças, com o poder público, com certas figuras da branquitude; alianças pontuais. Mas é muito importante saber com quem nós confluímos, de alguma maneira com quem nós realmente fazemos pactos de vida e pela vida. Muito obrigado pela oportunidade de poder trabalhar com você.
Mãe Celina: E Jorge tem uma novidade. Eu estarei com a Rosana Paulino no MAM (Museu de Arte do Rio de Janeiro) dia 15 de Abril. A gente vai estar lá dando uma aula, e eu conheci ela através de você e do Rafa Éis. O mundo da muitas voltas, que a gente não percebe, né? E, Cris, mesmo que eu esteja em outro lugar a gente dá um jeito de falar, tá bom? Pode me chamar que a gente dê uma continuidade a esse papo, tá muito gostoso.
Cristina R.: Nossa, que felicidade, muito honrada meu coração fica molinha, feliz. Sim, daqui a pouco eu fico com vontade de escutar você falar sobre como estão sendo esses encontros, para além do território do Brasil.
Celina: É, eu tô conseguindo trabalhar nos museus, né? No institucional com a minha instalação artística e espaço de fala junto, né? Isso pra uma Mãe de Santo Yalorixá, por isso eu digo assim, Cais do Valongo tá sendo muito generoso para a minha vida. E o que seria de mim, seria uma simples Mãe de Santo lá de São Gonçalo, lá no Morro do Colé fazendo macumba e raspando cabeça de Santo. Mas eu digo que Orixá quer que eu seja mais que isso, né? Então tá abrindo, Exú tá abrindo os caminhos. O próximo museu que eu vou é o museu do Paraná, em agosto, quando eu estiver voltando ao Brasil.
Cristina R.: Mais perto daqui do sul. Ah e eu queria agradecer quem me colocou em contato com você, foi a Camila Rocha Campos.
Mãe Celina: Camila, uma filha querida! Bom, muito obrigada pelo convite, obrigada por estarmos juntas. Jorge qualquer coisa grita, tô por aqui ainda, daqui a pouco eu tô de volta…
Jorge V.: Eu espero que um dia eu possa conhecer o seu espaço em São Gonçalo.
Cristina R.: Eu agradeço muito Jorge por estar aqui com a gente. Obrigada, Jorge.
Mãe Celina: Muito axé para nós.
Referências
Cartilha Pequena África, Uma sala de aula a céu aberto. Rio de Janeiro: ALERJ/ Comissão de Educação da ALERJ, 2021. Acessível on line { https://pretosnovos.com.br/3d-flip-book/cartilha-pequena-africa/ }
Santos, Andrei de Souza. O Cemitério dos Pretos Novos e suas representações simbólicas no tocante à preservação da memória afro-brasileira Trabalho de conclusão de curso de graduação, 2017. UFF, Niterói, Brasil. Acessível on line { https://tinyurl.com/c9yajpb4 }
Santos, Andrei de Sousa e Lessa, Andrea. Práticas funerárias no Cemitério dos Pretos Novos: violência simbólica e estrutura panóptica do poder. Revista Habitus. Goiânia. v. 21, n.2, p. 436-452, ago./dez. 2023. DOI 10.18224/hab.v21i2.13622 {https://seer.pucgoias.edu.br/index.php/habitus/article/view/13622/6510}
Villalobos-Ruminot, Sergio. Heterografías de la violencia: Historia Nihilismo Destrucción – 1a ed. – Adrogué : Ediciones La Cebra, 2016.” (2016)
Cais do Valongo, IPHAN
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1605/
- Mãe Celina de Xangô atuou junto de Mãe Meninazinha de Oxum, e do professor e babalaô Fernando Portugal no reconhecimento de tais objetos. ↩︎
- Bairros Gamboa, Saúde, Quilombo da Pedra do Sal e Santo Cristo. “Nos séculos XVIII, XIX e XX concentravam estabelecimentos ligados ao comércio de escravizados e era habitada por muitos libertos, além de agrupar, à época, parte significativa da população negra e africana.” Fonte: Cartilha Pequena África (2021) ↩︎
- O sistema escravista cometia “ações hediondas”, sendo “os corpos dos escravizados tratados de maneira desumana no Brasil-Colônia e no Brasil-Império. Reforçando a escravidão como crime contra humanidade e abordando demais questões como tortura e tratamento desumano aos escravizados”. Os escravizados eram obrigados a servir a “família real portuguesa, as demais famílias nobres lusitanas e especialmente as necessidades de mão de obra para trabalhar nas lavouras de café, no Vale do Paraíba.” (Cartilha Pequena África, Uma sala de aula a céu aberto, 2021, p. 22-23) ↩︎
- Mãe Celina se refere ao filme de ficção Praia Formosa {https://youtu.be/eCuQT_NMKaY?si=lHfgWfe0fPEjLr01 }, direção de Julia de Simone ↩︎
- Instituto Moreira Salles (2023), exposição Pequenas Áfricas, com curadoria de Angélica Ferrarez, Luiz Antonio Simas, Vinícius Natal e Ynaê Lopes dos Santos. Mãe Celina de Xangô apresentou uma instalação composta por plantas utilizadas em rituais de candomblé, remetendo à purificação, funcionando como um ritual de passagem da dor para a celebração da vida. ↩︎
- “Xocotô Berulô” é uma expressão em iorubá que pede que a doença se afaste. Mais informação em {https://girasdeumbanda.com.br/antigas/311/xocoto-berulo.html} ↩︎
- Assim a pessoa pede proteção ao Pai Xangô, “agô” é proteção ou benção. ↩︎
- Rubem Confete importante mestre griô carioca, radialista, historiador, e mais. Uma entrevista de 2023 com ele se encontra aquí {https://youtu.be/8y3yBuxgnzc?si=pPI2mwVxha2KxRO9}. ↩︎
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